No primeiro trimestre deste ano, com a pandemia em curso, “houve uma conjunção de fatores que estão ligados umbilicalmente: a Emenda Constitucional 109, a discussão da PEC 32 (prevê, entre outras alterações, a extinção do chamado Regime Jurídico Único no serviço público, com a instituição de uma série de novas formas de contratação pela administração pública) no Congresso Nacional, a Reforma da Previdência e o Decreto 10.620/21, promulgado no último dia 5 de fevereiro, que afeta as aposentadorias já concedidas e as ainda não concedidas no âmbito das autarquias e fundações brasileiras,” explicou o assessor.
Reforma Administrativa envolve a Emenda Constitucional 109 e a PEC 32
Sobre a Emenda Constitucional 109, Bordas contou que, na verdade, o auxílio emergencial garantido pela PEC 186 é muito inferior ao que já foi concedido nos anos anteriores e poderia ser concedido sem nenhuma emenda. “No entanto, o momento foi propício para a chantagem: se querem o auxílio emergencial, haverá um custo a ser pago através da constitucionalização do serviço da dívida, ou seja, a garantia de que a dívida que o governo contrai emitindo títulos do Tesouro foi elevada a um patamar constitucional a ser protegido.
Temos a obrigação de pagá-la antes de qualquer coisa. Este é o custo a ser pago para ter o auxílio emergencial de 44 bilhões”, relatou.
Além disso, a Constituição Federal também foi alterada no artigo 163 (permite que uma lei complementar venha a ser criada posteriormente se houver a necessidade de garantir o serviço da dívida). Porém, não está claro que ameaças e novos limites poderão ser criados. Também houve o aprofundamento da EC 95 e um plano gradual de redução de benefícios: risco de aumento de contribuições previdenciárias, fim do abono, etc, excetuando algumas hipóteses que não podem ser cortadas (bolsas e auxílio para alunos da rede privada, por exemplo).
Resumindo, o ponto central da PEC 186 é o congelamento de despesa em três hipóteses: estado de emergência fiscal, calamidade pública e sustentabilidade da dívida. “Esses limites na PEC dos Gastos já existiam. A diferença é que terão mais vedações, prazos abertos e isenção por parte do Estado de recompor o prejuízo em razão do congelamento”, disse. E ainda alertou para a real preocupação que todos devem ter: “os investimentos com a pandemia são limitados e muito baixos enquanto gastos com pagamento de juros seguem 100% liberados e agora mais garantidos.”
Já a PEC 32, que pode ser votada a qualquer momento na Câmara Federal, pode afetar os atuais servidores ativos e inativos; não atinge militares e membros de Poder (parlamentares, magistrados e promotores); prevê o fim da estabilidade como regra; cria novas formas de ingresso; estabelece o fim do regime jurídico único; cria novas formas de vínculos, incluindo vínculos precários e temporários; promove a estratificação dos servidores (cargos típicos de estado); altera os cargos de liderança e assessoramento (retira algumas exclusividades de funções para integrantes da carreira – “Cctização”; é assim mesmo que ele apresentou) veda direitos (promoções, férias superiores a 30, redução de jornada sem redução dos $, etc) e reduz incentivos e benefícios previdenciários (isenções de IR, deduções do IR com despesas médicas, etc); aumenta poder ao Presidente da República; propõe criar o princípio da subsidiariedade (esse nome disfarça a real intenção. Hoje, vigora no Brasil a lógica de que o Estado é obrigado a suprir direitos sociais e, onde o Estado não consegue, ele pode pedir ajuda ao setor privado (este princípio subverte esta lógica, ou seja, o Estado só entraria onde não for o privado); favorece a adequação da estrutura do estado às políticas de governo e não às políticas de estado; enfraquece a estabilidade (maior interferência de governantes no desempenho da função pública); retira a estabilidade (ameaça ao poder de polícia e liberdade de ensino e livre manifestação podem ser afetadas). Resumindo, a PEC 32 precariza a função pública.
Para o advogado, “a Reforma Administrativa que se avizinha autoriza cada vez mais a concentração de poder e a sobreposição das políticas de governo sobre as políticas públicas discutidas e necessitadas pela população brasileira”. Além disso, significa um cheque em branco ao sistema financeiro, que levará ao abandono do desenvolvimento nacional e ao aprofundamento da desigualdade.
Decreto 10620, de fevereiro de 2021
Sobre o Decreto 10620/21, Bordas afirmou que mudou a forma como as aposentadorias e pensões são concedidas e mantidas. “Atualmente, existem dois regimes. O regime próprio e o geral. O regime próprio é o regime da administração federal. O regime geral, basicamente, é o INSS (setor privado, empresas públicas, sociedades de economia mista e autônomos).
Hoje, a aposentadoria de um servidor do regime próprio (não importa onde trabalha) será concedida dentro de um sistema único. Por exemplo, hoje, a aposentadoria de um professor da UFRGS, UFCSPA ou do instituto federal, é concedida pelo instituto federal.”
O decreto propõe a centralização da concessão e manutenção das aposentadorias e pensões no Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (Sipec) quanto à administração direta (ministérios, secretarias da presidência, etc.) e no INSS quanto às autarquias. Além disso, o Ministério da Economia poderá alterar a lotação ou o exercício de servidores. Os órgãos que tiverem centralizadas as atividades de concessão e manutenção deverão apresentar proposta para reformular sua estrutura regimental (afrontando a autonomia universitária). O Decreto não se aplica ao Poder Legislativo, ao Poder Judiciário e aos órgãos constitucionalmente autônomos (Ministério Público, Defensoria Pública, etc.).
Como será futuramente?
O setor privado, empresas públicas, sociedades de economia mista e autônomos ficarão com o Regime geral de previdência e quem concederá e manterá as aposentadorias e pensões será o INSS.
Administração indireta (autarquias e fundações) ficará com o regime próprio de previdência e quem concederá e manterá as aposentadorias e pensões será o INSS.
Administração direta (Ministérios, por exemplo) ficará com o regime próprio de previdência e quem concederá e manterá as aposentadorias e pensões será o regime próprio de previdência social no âmbito federal através do Sipec.
O assessor destacou que “o INSS realizou 68 concursos em todo o Brasil nos últimos 3 anos. Nesse meio tempo, o Instituto perdeu 10.272 servidores, ou seja, o INSS não terá capacidade de absorver esta demanda que se apresentará quando o decreto entrará em vigor.” Para ele, é previsível que o INSS terá problemas porque não está habituado a revisar aposentadoria ou critérios de concessão de aposentadorias; atualmente aplica o mesmo índice de reajuste para todos seus segurados (será difícil controlar a revisão das aposentadorias com paridade cujos reajustes variam de carreira para carreira); as aposentadorias do Instituto atualmente sequer são enviadas ao Tribunal de Contas da União (haveria necessidade de adequação de estrutura, rotinas e treinamento) e há carência de pessoal.
Como dito no início, tudo está conectado e, portanto, há um ponto comum entre Decreto, a reforma da previdência e a reforma administrativa: “a Reforma da Previdência, já votada e em vigor desde novembro de 2019, permite que se acabe com o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). É possível que não tenhamos mais um RPPS no futuro porque sua extinção já está autorizada. Ao mesmo tempo, a Reforma Administrativa pressupõe vínculos previdenciários diferentes (teremos servidores por um regime previdenciário e servidores por um regime geral que não o regime próprio, assim como teremos contratos temporários e várias outras formas). Haverá uma estratificação entre níveis de servidores públicos, seja para aposentadoria, seja para forma de ingresso ou seja para regular a relação de trabalho entre o ingresso e a saída.”
“Além disso, a incorporação de mais de 600 mil aposentadorias fará com que o INSS administre mais dinheiro, e, assim, fique mais atrativo para privatização futura”, encerrou Bordas.
O tesoureiro da ADUFRGS, Eduardo Rolim, afirmou que “os governantes estão passando a boiada, pois a sociedade, o Congresso Nacional e o poder judiciário não reagem. Este último já poderia, inclusive, ter afastado Bolsonaro por incompetência, inépcia e ação criminosa contra o povo brasileiro. Este cidadão já deveria ter sido afastado. Eles querem voltar a um passado que já tínhamos esquecido, escravocrata, onde as pessoas passavam fome e quase não tinham condições de subsistência. Estamos caminhando para isso. Não será com auxílio emergencial que resolveremos esta situação”.